quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Prêmio Nobel de Física: o que é a singularidade, o coração dos buracos negros onde todas leis da natureza são quebradas

 

Prêmio Nobel de Física: o que é a singularidade, o coração dos buracos negros onde todas leis da natureza são quebradas

  • Lioman Lima - @liomanlima
  • BBC News Mundo
Buraco negro
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Visualização de um buraco negro feita pela Nasa

Embora suas próprias teorias sugerissem a existência de buracos negros, até o próprio Albert Einstein achava que, na prática, eles seriam muito difíceis de se encontrar.

Os buracos negros, centros de extrema gravidade nas profundezas do cosmos, há anos são um dos problemas que mais geram dores de cabeça e incertezas entre os astrônomos.

Esta terça-feira (06/10), a Real Academia Sueca de Ciências decidiu reconhecer a importância do tema ao agraciar três grandes especialistas no assunto.

O britânico Roger Penrose, o alemão Reinhard Genzel e a americana Andrea Ghez receberão o Prêmio Nobel de Física em dezembro por suas descobertas sobre buracos negros.

Buraco negro
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O Prêmio Nobel de Física foi concedido a três cientistas que estudaram buracos negros

"No caso de Genzel e Ghez, suas contribuições foram conseguir demonstrar por meio de observações astronômicas a existência de um buraco negro supermassivo no centro da nossa galáxia", explica Eduard Larrañaga, físico teórico e professor do Observatório Nacional da Colômbia, à BBC Mundo (serviço em espanhol da BBC).

"No caso de Penrose, embora entendamos que a Academia também o premia pela questão dos buracos negros, sua contribuição para a física vai muito além", acrescenta.

Segundo o físico colombiano, foram as equações e teorias de Penrose que ajudaram os cientistas, há mais de meio século, a entender que os buracos negros previstos pela teoria da relatividade geral de Einstein eram realmente possíveis.

"Embora a teoria da relatividade geral remonte a 1916, até a década de 1950 o assunto não era muito abordado, pois até o próprio Einstein pensava que buracos negros não seriam possíveis na natureza por causa de suas características estranhas", lembra.

O físico colombiano conta que, na década de 1950, alguns alunos de Einstein começaram a fazer alguns cálculos para explicar como uma estrela, ao morrer, poderia dar origem a um buraco negro.

"Porém, os cálculos que se faziam naquela época partiam do pressuposto de que a estrela era totalmente esférica, mas isso é uma idealização do problema, porque na realidade as estrelas não são assim", diz Larrañaga.

"O que Penrose faz é mostrar que mesmo estrelas que não tinham um comportamento totalmente esférico, mas tinham perturbações, poderiam sofrer um processo de colapso que levaria à formação de um buraco negro", acrescenta.

Assim, diz ele, a teoria de Penrose provou a possibilidade da existência na natureza desses objetos misteriosos.

Da esquerda à direita: Roger Penrose, Reinhard Genzel e Andrea Ghez
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Da esquerda para direita: Roger Penrose, Reinhard Genzel e Andrea Ghez

Segundo o acadêmico colombiano, Penrose também contribuiu para a física com notáveis desenvolvimentos sobre gravitação e cosmologia, mas sua contribuição para o estudo dos buracos negros não concluiu o debate sobre a origem deles.

O ganhador do Prêmio Nobel considerava que em alguns pontos do universo e, principalmente no centro dos buracos negros, havia certas "singularidades" que, de alguma forma, questionavam todas as leis da física.

Anos depois, seu teorema sobre as singularidades seria aplicado por seu discípulo, Stephen Hawking, para compreender também o momento do Big Bang.

Mas, do que se trata tudo isso?

Singularidade

Segundo Larrañaga, Penrose partiu do entendimento de que existem certos pontos, ou condições do espaço-tempo, onde a física para de funcionar.

Ou seja, onde as leis que acreditamos ser universais não se aplicam.

"Por exemplo, um buraco negro. Você sabe que um buraco negro é um objeto com enorme gravidade. Por que ele tem enorme gravidade? Porque tem muita massa. E acontece que essa massa está concentrada em uma região muito pequena. Toda essa massa chegou a um ponto. Então, nesse ponto a gravidade é infinita, a densidade é infinita e muitas outras quantidades físicas chegam ao infinito", explica.

Ilustracao do centro do buraco negro
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Os buracos negros têm uma gravidade tão grande que não deixam nem a luz escapar

Segundo o cientista, quando isso acontece, esses "infinitos" não podem ser tratados com a matemática normal: "Qualquer equação com infinitos deixa de fazer sentido", diz ele.

Isso, diz ele, dá origem a essas "singularidades" no espaço-tempo.

"É o ponto do universo em que as equações da física param de funcionar, por algum motivo. Normalmente é porque as quantidades físicas como a massa ou a densidade crescem, vão para o infinito", diz ele.

É o que acontece, segundo o cientista, no centro dos buracos negros.

Lá "toda a massa é acumulada, então a densidade é infinita. Nesse ponto, as equações da física da relatividade geral não funcionam", ressalta.

Segundo Larrañaga, a singularidade é então aquele ponto central dos buracos negros onde se concentra toda a massa.

"É o coração, o cerne do buraco negro, onde a densidade é infinita e por isso as equações da física não funcionam, porque onde aparece a densidade tudo cresce. Aí as equações param de funcionar", argumenta.

Astros e planetas.
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Os pesquisadores acreditam que apenas o colapso direto da matéria pode explicar esses grandes buracos maciços

O físico colombiano lembra que essa abordagem foi fundamental, pois ajudou a entender tanto os buracos negros quanto processos cosmológicos como o Big Bang.

No entanto, ele explica que sua complexidade e o que isso implica para a física são tão grandes que muitos cientistas questionam sua existência.

"Há muitos físicos hoje que acreditam que singularidades não existem, porque se as aceitarmos, as leis da física entram em colapso ali", diz ele.

"Portanto, quando nós, como físicos, aceitamos singularidades, estamos aceitando que a física tem um limite."


segunda-feira, 25 de maio de 2009

Ciência Hoje

Um estudo com pesquisadores brasileiros publicado esta semana no Journal of the Royal Society Interface pode ajudar a compreender um processo ainda misterioso: a influência do campo geomagnético da Terra sobre a orientação dos animais. A análise das antenas de uma espécie de formiga migratória revelou quantidades de partículas magnéticas que poderiam funcionar como sensores para detecção desse campo.

O campo geomagnético terrestre é semelhante ao gerado por um ímã cujos polos estariam próximos aos polos geográficos da Terra. Esse campo é detectado pelos animais e transformado em sinais neurais, que são levados para o cérebro pelo sistema nervoso. A informação magnética do grande “ímã” terrestre pode ser usada então para orientação espacial.

Esse processo, chamado magnetorrecepção, tem sido bastante estudado em vários grupos de animais. Mas os mecanismos pelos quais o campo geomagnético é percebido e transmitido ao sistema nervoso ainda são desconhecidos.

Os novos dados reforçam a hipótese de que essa sensibilidade ao campo se deve à presença de partículas magnéticas em estruturas conectadas ao sistema nervoso dos animais. A pesquisa é fruto do doutorado da física Jandira Oliveira no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e contou com a colaboração da Universidade Técnica de Munique (Alemanha).

Migração orientada

Formigas P. marginata deixam um ninho de cupins carregando uma presa. Os exemplares usados na pesquisa foram coletados na Mata de Santa Genebra, uma reserva em Campinas (São Paulo).

A equipe analisou antenas de formigas migratórias da espécie Pachycondyla marginata, que se alimentam exclusivamente de cupins da espécie Neocapritermes opacus. Essa migração é orientada em ângulos de 13º em relação ao eixo geomagnético norte-sul da Terra e ocorre em geral no fim da tarde, quando seria mais difícil detectar características da paisagem que pudessem auxiliar no deslocamento, o que pressupõe a influência do campo magnético terrestre.

“A escolha das antenas para a análise não foi feita ao acaso”, diz à CH On-line a biofísica Darci Motta Esquivel, co-orientadora da pesquisa no CBPF. Resultados de estudos anteriores realizados pelo grupo já tinham apontado essas estruturas como candidatas promissoras a órgão sensorial para a magnetorrecepção.

Os pesquisadores investigaram três minúsculos pedaços das antenas das formigas que estão conectados ao sistema nervoso do inseto: um localizado na base da estrutura e dois nas junções de seus segmentos. Essas partes – que medem 0,1 mm cada – foram inseridas em blocos de resina, divididas em 300 mil pedaços e observadas por meio de um microscópio eletrônico de transmissão.

Partículas magnéticas
“Detectamos vários tipos de óxido de ferro, que são materiais magnéticos, junto com partículas não magnéticas, como alumínio e silício”, conta Oliveira. Na avaliação da pesquisadora, “as quantidades de partículas magnéticas encontradas são suficientes para funcionar como sensores e permitir a magnetorrecepção nesses insetos”.

Clique na imagem para assistir a um vídeo que mostra as formigas P. marginata atacando um cupinzeiro em busca de alimento (imagens: Roberto Eizemberg).

Segundo a orientadora da pesquisa, a biofísica Eliane Wajnberg, do CBPF, além de terem sido detectadas dentro do tecido das antenas das formigas, essas partículas magnéticas também são encontradas no solo. “Esse material foi incorporado pelos insetos”, explica.

A descoberta de óxidos de ferro nas antenas das formigas chama a atenção dos pesquisadores para materiais magnéticos que até então não eram apontados como possíveis componentes do mecanismo de magnetorrecepção. “Esperávamos encontrar cristais de magnetita, o material mais fortemente magnético e presente em abundância na natureza”, diz Wajnberg.

A equipe do CBPF pretende agora realizar novas pesquisas para verificar se os óxidos de ferro estão realmente funcionando como sensores do campo geomagnético da Terra e se eles estão presentes nas antenas de outros tipos de insetos.


Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
20/05/2009